Educação, Tecnologia e Humanidade: Uma Recensão Crítica a Três Tempos

Trabalho realizado no âmbito da Atividade 4 da Unidade Curricular de Educação e Sociedade em Rede, pela Equipa Sigma (Raquel Santos, Ricardo Cruz, Tânia Santos).
1. A Promessa Institucional: “Education 4.0 | Jisc”
O vídeo “Education 4.0 | Jisc” apresenta-se como um manifesto, um apelo à ação para que a educação evolua em paralelo com a Quarta Revolução Industrial. O seu argumento central é que a rápida transformação tecnológica exige uma profunda reforma dos modelos educativos, de modo a preparar os estudantes para as novas realidades do trabalho e da sociedade. Em contraste com o obsoleto “método vitoriano” (caracterizado pela escuta passiva e memorização), a Educação 4.0 propõe um modelo centrado no uso de tecnologias avançadas como a Inteligência Artificial e a Realidade Virtual, com o objetivo de criar experiências de aprendizagem personalizadas, flexíveis e eficazes.
Contudo, o maior valor desta proposta não reside na tecnologia em si, mas no seu potencial para libertar a pedagogia. Ao automatizar tarefas repetitivas, a tecnologia pode devolver aos professores o seu tempo para aquilo que nunca será substituível: a mentoria, o diálogo e a interação humana. O vídeo sublinha, e bem, que o foco não é aprender a programar, mas sim desenvolver um conjunto de competências essenciais não automatizáveis, como o pensamento crítico, a criatividade, a colaboração e a comunicação.
Apesar do seu tom positivo e mobilizador, a narrativa da “inevitabilidade” tecnológica convida a uma vigilância crítica. O discurso assume implicitamente infraestruturas e recursos que muitas instituições não possuem, arriscando-se a aprofundar a fratura digital que já existe. Adicionalmente, a promessa de “personalização algorítmica” pode, paradoxalmente, conduzir a novas formas de padronização, ao otimizar a aprendizagem para perfis pré-determinados. Finalmente, a proposta de uma “colaboração” entre múltiplos intervenientes levanta uma questão política fundamental: trata-se de uma cocriação democrática do futuro educativo ou de um modelo instrumental, onde o setor tecnológico define as soluções e as instituições de ensino meramente as implementam?
Em suma, o vídeo posiciona a Educação 4.0 como um imperativo pedagógico. A sua maior força reside em traçar uma linha clara entre as ferramentas e as competências humanas insubstituíveis, mas a sua implementação exige um escrutínio permanente para garantir que esta transformação serve a educação como um bem comum, e não apenas interesses tecno-corporativos.
2. O Desafio Humano: “AI AND THE FUTURE OF EDUCATION. Will Robots Replace Teachers?”
Este documentário oferece uma análise multifacetada e sóbria sobre o impacto da Inteligência Artificial, posicionando-se de forma crítica face ao discurso tecno-otimista. A sua narrativa assenta numa tensão fundamental: a obsolescência de um sistema educativo desenhado há 200 anos para a Era Industrial contra a urgência de preparar estudantes para um futuro laboral volátil, onde se estima que cada pessoa terá de 20 a 30 empregos diferentes, exigindo uma capacidade constante de “aprender a aprender”.
O vídeo argumenta convincentemente que o papel do professor não será substituído, mas sim profundamente reconfigurado. A figura do “transmissor de conhecimento” torna-se obsoleta numa era em que a informação está massivamente acessível. O professor evolui para “mentor” ou “facilitador”, um arquiteto de experiências de aprendizagem que ajuda os alunos a desenvolver competências metacognitivas e pensamento crítico. No entanto, o documentário alerta para os riscos de um otimismo ingénuo, nomeadamente o embrutecimento cognitivo pela dependência excessiva de assistentes digitais, a erosão da autonomia intelectual e a ilusão de que “mais tecnologia” equivale a “mais equidade”. Pelo contrário, aponta claramente para a fratura digital entre escolas públicas e privadas como um fator que agrava desigualdades.
Um dos seus pontos mais fortes é o contraponto que estabelece entre a individualização tecnológica e a necessidade de comunidade. Num cenário em que a IA pode potenciar o isolamento, a interação humana, o trabalho em grupo e a aprendizagem social emergem não como vestígios do passado, mas como a “arma mais forte” na educação do futuro. O discurso do empreendedorismo como panaceia para a precarização laboral é igualmente questionado, sugerindo que este pode ser um mecanismo de transferência da responsabilidade do Estado para o indivíduo.
Em conclusão, o vídeo apresenta a IA como um espelho que reflete a urgência da reforma da educação. Não a encara como uma solução, mas como uma ferramenta que nos força a questionar: que tipo de sociedade queremos construir? A sua grande lição é que a educação do futuro não deve ser um mecanismo de stress para se adaptar ao mercado, mas sim um instrumento de autodescoberta, desenvolvimento de competências críticas e crescimento humano, fins para os quais nenhuma máquina poderá substituir a interação humana.
3. A Base Estrutural: “Web 2.0 … The Machine is Us/ing Us”
Este breve, mas extraordinariamente denso, documento visual oferece o fundamento epistemológico que os outros dois vídeos pressupõem. Argumenta que a Web 2.0 não é apenas uma tecnologia, mas uma reengenharia da escrita, da leitura e, consequentemente, da cognição. O subtítulo, “The Machine is Us/ing Us”, encapsula o seu paradoxo central: somos simultaneamente criadores da tecnologia (nós a usarmos) e recriados por ela (a máquina a usar-nos), numa relação de mútua transformação.
O vídeo demonstra como a evolução do HTML para o XML e, posteriormente, para o conteúdo gerado pelo utilizador (blogs, wikis, redes sociais) destruiu a linearidade do texto impresso e a autoridade centralizada do conhecimento. O conhecimento deixa de ser uma progressão sequencial e passa a ser uma navegação fragmentária e reticular, mediada pela lógica do hipertexto. Esta mudança de paradigma torna anacrónicas as metodologias baseadas na “transmissão linear de conteúdo” e exige uma educação em rede que abrace a colaboração, a cocriação e as múltiplas perspetivas. A Web 2.0, ao transformar o aluno de mero consumidor em produtor de conteúdo, alinha-se com as teorias construtivistas e conectivistas da aprendizagem, onde saber ligar fontes e avaliar informação se torna mais importante do que memorizar.
No entanto, o vídeo também permite uma leitura crítica sobre a questão do poder. A promessa de “participação universal” da Web 2.0 esconde uma governança frequentemente opaca. O desenho técnico das plataformas não é neutro; por trás de cada algoritmo, existem escolhas políticas e comerciais que determinam o que é visível, quem tem voz e que narrativas são amplificadas. A “democracia” da Web 2.0 é, portanto, uma participação estruturalmente condicionada por decisões tomadas longe do alcance dos utilizadores.
Em síntese, este vídeo é crucial porque revela que a “Sociedade em Rede” não é uma abstração, mas uma consequência material da forma como a tecnologia digital reconfigurou a própria linguagem e o acesso ao significado. É o sistema operativo sobre o qual as promessas da Educação 4.0 e os desafios da IA são executados.
Referências
Jisc. (2019, 16 de abril). Education 4.0 | Jisc | Transforming the future of education (through advanced technology) [Vídeo]. YouTube. https://www.youtube.com/watch?v=aVWHp8FsV1w
Plastico Film. (2023, 29 de junho). AI AND THE FUTURE OF EDUCATION .Will Robots Replace Teachers? [Vídeo]. YouTube. https://www.youtube.com/watch?v=-d2VRgej_cY
Wesch, M. (2007, 31 de janeiro). Web 2.0 … The Machine is Us/ing Us [Vídeo]. YouTube. https://www.youtube.com/watch?v=z6UMdw1TgVg


